MEU PAI
Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.
Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas d’este rosto santo que morreu
Já não conservo a mínima lembrança.
A noite é clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.
Se lá no Céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!
Auta de Souza
Auta de Souza nasceu em Macaíba, então Arraial, depois cidade do Rio Grande do Norte a 12 de Setembro de 1876. Era magrinha, calada, de pele clara, um moreno doce à vista como veludo ao tacto. Antes de ter completado 3 anos, ficou órfã de mãe e aos 4 anos de pai. Sua existência na Terra foi assinalada por sofrimentos acerbos. Ainda menina, assistiu à morte de um de seus irmãos, vitimado pelo fogo produzido pela explosão de um lampião a querosene.
Antes dos 12 anos, foi matriculada no Colégio São Vicente de Paulo, no bairro da Estância, onde recebeu carinhosa acolhida por parte das religiosas francesas que o dirigiam e lhe ofereceram primorosa educação: Literatura, Inglês, Música, Desenho e Francês, o que lhe permitiu ler no original Lamartine,Victor Hugo , Chateaubriand e Fénelon.
De 1888 a 1890, a jovem Auta estuda, recita, verseja, ajuda as irmãs do Colégio e aprimora a beleza de sua fé, na leitura constante do Evangelho.
Aos 14 anos manifestaram-se os primeiros sintomas da enfermidade que lhe roubou, em plena juventude, o viço, e foi a causa de sua morte, ocorrida em 7 de fevereiro de 1901, com 24 anos de idade.
O forte sentimento religioso e mesmo a doença não impediram de ter uma vida absolutamente normal em sociedade.
Era católica, mas não submissa ao clero. Era comunicativa, alegre, sociável. A religiosidade dela era profunda, sincera, medular, mas não ascética, mortificante, mística. Seu amor por Jesus e pelo Anjo da Guarda não a distanciaram de todos os sonhos das donzelas: amor, lar, missão maternal.
Com 16 anos, ao revelar o seu invulgar talento poético, enamorou-se do jovem promotor público de Macaíba, João Leopoldo da Silva Loureiro. Dotada de aguda sensibilidade e imaginação ardente, dedicava ao namorado amor profundo, mas a tuberculose progredia e seus irmãos convenceram-na a renunciar. A separação foi cruel, mas apenas para Auta. A João Leopoldo faltava o refinamento espiritual para perceber o sentimento que extravasava através dos olhos meigos a grande poetisa.
Essa sucessão de golpes dolorosos marcou profundamente sua alma de mulher, caracterizada por uma pureza cristalina, uma fé ardente e um profundo sentimento de compaixão pelos humildes, cuja miséria tanto a comovia. Era vista lendo para as crianças pobres, para humildes mulheres do povo ou velhos escravos, as páginas simples e ingênuas da "História de Carlos Magno", brochura que corria os sertões, escrita ao gosto popular da época.
A orfandade da Poetisa ainda criança; a desencarnação trágica de seu irmão; a moléstia contagiosa e a frustração no amor, amalgamados à forte religiosidade de Auta, levaram-na a compor uma obra poética singular na História da Literatura Brasileira: "Horto", seu único livro, um cântico de dor, mas também de fé cristã.
O sofrimento veio burilar a sua inata sensibilidade, que transbordou em versos comovidos e ternos, ora ardentes, ora tristes, lavrados à sombra da enfermidade, no cenário desolador do sertão de sua terra.
Em 14 de Novembro de 1936, houve a instalação da Academia Norte Rio Grandense de Letras, com a poltrona XX dedicada a Auta de Souza.
Fonte:
Forum Espírita e Wikipédia.