MEU SONHO
“EU”
Cavaleiro das armas escuras,
Aonde vais pelas trevas impuras
Com a espada sangüenta na mão?
Porque brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?
Cavaleiro, quem és? O remorso?
Do corcel te debruças no dorso...
E galopas do vale através...
Oh! da estrada as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?
Aonde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras
Macilento qual morto na tumba?...
Tu escutas... Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?
Cavaleiro quem és? – que mistério,
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?
“O FANTASMA”
Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...
Álvares de Azevedo.
Manuel Antônio Álvares de Azevedo, poeta, contista e ensaísta, nasceu em São Paulo em 12 de setembro de 1831. Patrono da Cadeira n. 2 da Academia Brasileira de Letras, por escolha de Coelho Neto. Era filho do então estudante de Direito Inácio Manuel Álvares de Azevedo e de Maria Luísa Mota Azevedo, ambos de famílias ilustres. Em 1833, em companhia dos pais, mudou-se para o Rio de Janeiro e, em 40, ingressou no colégio Stoll, onde consta ter sido excelente aluno. Em 44, retornou a São Paulo em companhia de seu tio. Regressa, novamente ao Rio de Janeiro no ano seguinte, entrando para o internato do Colégio Pedro II.
Em 1848 matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi estudante aplicadíssimo e de cuja intensa vida literária participou ativamente, fundando, inclusive, a Revista Mensal da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano. Entre seus contemporâneos, encontravam-se José Bonifácio (o Moço), Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães estes dois últimos suas maiores amizades em São Paulo, com os quais constituiu uma república de estudantes na Chácara dos Ingleses. O meio literário paulistano, impregnado de afetação byroniana, teria favorecido em Álvares de Azevedo componentes de melancolia, sobretudo a previsão da morte, que parece tê-lo acompanhado como demônio familiar. Imitador da escola de Byron, Musset e Heine, tinha sempre à sua cabeceira os poemas desse trio de românticos por excelência, e ainda de Shakespeare, Dante e Goethe. Proferiu as orações fúnebres por ocasião dos enterros de dois companheiros de escola, cujas mortes teriam enchido de presságios o seu espírito. Era de pouca vitalidade e de compleição delicada; o desconforto das “repúblicas” e o esforço intelectual minaram-lhe a saúde. Nas férias de 1851-52 manifestou-se a tuberculose pulmonar, agravada por tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo, um mês antes. A dolorosa operação a que se submeteu não fez efeito. Faleceu às 17 horas do dia 25 de abril de 1852, domingo da Ressurreição. Como quem anunciasse a própria morte, no mês anterior escrevera a última poesia sob o título “Se eu morresse amanhã”, que foi lida, no dia do seu enterro, por Joaquim Manuel de Macedo.
Entre 1848 e 1851, publicou alguns poemas, artigos e discursos. Depois da sua morte surgiram as Poesias (1853 e 1855), a cujas edições sucessivas se foram juntando outros escritos, alguns dos quais publicados antes em separado. As obras completas, como as conhecemos hoje, compreendem: Lira dos vinte anos; Poesias diversas, O poema do frade e O conde Lopo, poemas narrativos; Macário, “tentativa dramática”; A noite na taverna, contos fantásticos; a terceira parte do romance O livro de Fra Gondicário; os estudos críticos sobre Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla, além de artigos, discursos e 69 cartas.
Preparada para integrar As três liras, projeto de livro conjunto de Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, a "Lira dos vinte anos" é a única obra de Álvares de Azevedo cuja edição foi preparada pelo poeta. Vários poemas foram acrescentados depois da primeira edição (póstuma), à medida que iam sendo descobertos.
Fontes: “Poetas Românticos Brasileiros” – Editora Amádio – Edição 1966. e Academia Brasileira de Letras.