
BEIJOS MORTOS
Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos do passado.
Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei outrora quando pude,
porém mais deveria ter amado.
Choro. O remorso os nervos me sacode.
E, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero inconsolado explode.
E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quando amar se pode,
sem ter amado quanto amar devia.
Martins Fontes.
Nascido em Santos, em 23 de junho de 1884, José Martins Fontes estudou na cidade natal, em Jacareí e no Rio de Janeiro (1901), onde alcançou o diploma de médico. A partir de 1906, exerceu a profissão no Rio, onde também fundou com Bilac a Agência Americana para propaganda de produtos brasileiros no exterior; depois se fixou em Santos (1915). Como médico e como homem, era verdadeira e profundamente amado pela população humilde de Santos e do litoral próximo. Em 1924 foi eleito para a Academia de Ciências de Lisboa; em 1930 acompanhou Júlio Prestes, presidente eleito, na viagem à Europa e aos Estados Unidos. Faleceu em Santos, em 25 de junho de 1937.
Tendo estudado medicina no Rio de janeiro, Martins Fontes integrou-se no grupo de Bilac, que o considerava o maior dos novos, segundo o testemunho de Luís Edmundo. Seu parnasianismo, contudo, não foi igual ao de Bilac ou de qualquer outro dos corifeus: senhor de personalidade esfuziante, Martins Fontes praticou uma poesia de expressão inquieta, novidadeira no uso de vocábulos que ele forjava, colorida, voltada para numerosos centros de interesses que ele ia espelhando em livros díspares como assunto: Rio de Janeiro, São Paulo, Granada, São Francisco de Assis, Augusto Comte, Xarazade, o lirismo medieval... O previsível e o imprevisível. Martins Fontes foi uma das mais expressivas figuras do nosso neoparnasianismo, onde dominou o pólo fulgurante, declamatório, de puro “rebrasilhamento” verbal.
Fonte: “Poesia Parnasiana” Antologia – Edições Melhoramentos – 1967.