MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Carlos Drummond de Andrade.
Carlos Drummond de Andrade nasceu no dia 31 de outubro de 1902, em Itabira, Minas Gerais, região rica em ferro.
Faz seus primeiros estudos em Minas Gerais. Em 1918, estuda como interno no Colégio Anchieta, da Companhia de Jesus, em Friburgo, sendo expulso no ano seguinte, após um incidente com seu professor de Português e Geografia em Itabira. Em 1934, transfere-se para o Rio de Janeiro, assumindo um cargo público no Ministério da Educação.
A partir da década de 1950, Drummond dedica-se integralmente à produção literária; além de novos livros de poesias, contos e algumas traduções, intensificam o seu trabalho de cronista. Morre no Rio de Janeiro, no dia 17 de agosto de 1987.
Carlos Drummond de Andrade é, sem duvida, o maior nome da poesia contemporânea Brasileira. Sua obra poética acompanha a evolução dos acontecimentos, registrando todas as “coisas” (síntese de um universo fechado, despersonificado) que o rodeiam e que existem na realidade do dia-a-dia. São poesias que refletem os problemas do mundo, do ser humano brasileiro e universal diante dos regimes totalitários, da Segunda Guerra, da Guerra Fria.
Assim, o poeta é possuído de alguns momentos de esperança para, logo adiante, tornar-se descrente, desesperançado com o rumo dos acontecimentos.
Mas é acima de tudo um poeta que nega todas as formas de fuga da realidade; seus olhos atentos estão voltados para o momento presente e vêem, como regra primeira para uma possível transformação da realidade, a união, o trabalho coletivo (“vamos de mãos dadas”).
Fonte: “Língua, Literatura & Redação.” 2ª edição – Editora Scipione – 1995.