A AÇUCENA – (Lenda japonesa)
Morava o príncipe Tokiko num castelo montado no cume do monte Azul. Numa tarde, regressando de seu habitual passeio no bosque, deparou-se com uma jovem de rara beleza. O príncipe fitou-a ternamente. Admirou o rosto perfeito da moça. Gostou imenso dos olhos amendoados e finos, como dois frutos deliciosos pendentes dos cabelos cacheados da nipônica linda vestida de branco. Gostou e parou. Largando a sela do fogoso corcel, indagou dos criados da comitiva da jovem, qual o nome da formosa donzela. E, de joelhos, na frente da moça, ferido de amor e de grande emoção, rogou-lhe aceita-lo como esposo.
A resposta da linda Mikio surgiu sorrindo nos lábios vermelhos: “Eu quero!” E acrescentou:
– Contanto que você nunca me fale de flores e nunca me fale de morte!
Tokiko estremeceu. Não podia entender a inesperada e esquisita condição imposta pela noiva. Mas anuiu, sem indagar motivos. E na sua cabeça ficou dançando aquela frase musical: Nem flores nem morte!”Colocou a bela Mikio na garupa de sua montaria e cavalgou para o castelo no alto do monte.
A festa das núpcias alargou a noite até a madrugada. As luzes pintaram mosaicos nas salas alegres. A música tocou. E a multidão dos ricos convivas subia e descia as estradas largas que serpeiam na serra. E o príncipe Tokiko viveu feliz com a princesa Mikio por muitos anos.
Certo dia, uma dama da corte ouviu a conversa dos príncipes. Quem falava era Mikio:
– Querido príncipe, há muito tempo (eu era criança), minha madrasta me pos um terrível encantamento. Eu morreria, jurou ela, depois de casada, se meu marido me deixasse ouvir o nome da morte ou nomes de flores. Mas, agora estou feliz. Você tem sido tão bom para mim. E faltam apenas dois dias para completar o tempo daquela maldição. Depois disso nada me poderá acontecer.
A dama da corte era mulher má e invejosa da felicidade do casal. Por isso alegrou-se pela posse do segredo. Tinha nas mãos o meio de desmanchar o amor do príncipe. Mais do que depressa, chamou o cantor do palácio. Disse para o jogral da corte:
– Amanhã haverá um jantar festivo. É aniversário de casamento do nosso augusto príncipe. Você cantará, ao som dos tambores e flautas, a marcha das Bodas e a ária do Além.
No dia seguinte, Tokiko e Mikio entraram contentes na sala toda enfeitada. Tomaram assento nos seus lugares. E começou o banquete. O primeiro prato servido foi o de ostras frias. E foi servido aos acordes da marcha das Bodas. A alegria tinia em todos. E os convivas tiniam as taças saudando os dois príncipes bondosos. Iam a meio as comemorações, quando o jogral iniciou molemente a ária do Além. Ao chegar naquelas palavras que se cantam assim:
“o rico ou o pobre, o fraco e o forte,
terminam sem dó no frio da morte” –
a princesa Mikio, lívida caiu gritando de dor. E fria e gelada de medo e pavor, com a pele tremendo na face amarela, deitada no chão olhava Tokiko, e encurtava uma perna que, dura, tocava num vaso de rosas, no canto da mesa ali posto pela perversa mulher da corte real.
Em vão Tokiko a mantinha nos braços. Em vão lhe beijava a descorada face. Mikio gemia. Dos olhos só uma lágrima corria. E o corpo inteiro diminuía. Tokiko abraçava-a. E ela encurtava. Nos braços fortes o príncipe a tinha. E ela nem mais gemia. Sorria. Tokiko passava-lhe as mãos no rosto, na testa, nos densos cabelos. E ela fininha, fininha, diminuía. E pouco depois a face branca e gelada foi se apertando. E restou nos braços do príncipe Tokiko uma flor alva, como copo de leite, numa haste longa e fria. É que nas terras longínquas do velho Japão nascia a Açucena.
E a açucena, imaculadamente branca, há de lembrar sempre a todos os homens que também os reis não são felizes, quando se cercam de invejosos de coração perverso.
Autor desconhecido.