quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Tipos da rua

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TIPOS DA RUA

Ambos descendem de ínfimo monturo,
Ela, amarela, feia e embrutecida.
Ele é um canalha preguiçoso, a vida,
Passa a beber cachaça com mel de furo.

Todas as noites, em um beco escuro,
Ele vai esperar a bem querida.
Que desleixada e de moral despida,
Mantém com ele o seu idílio impuro.

Então, dão expansão sem nenhum decoro,
Ela manhosa, ele velhamente,
O tão rasteiro e misero namoro.

Com tais colóquios de um amor imundo,
Preparam-se afinal nojentamente,
Para um aborto vil deitar ao mundo.

R.S. Furtado

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Sonetos

SONETOS
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Apenas oiço dar Ave-Maria,
Quer seja tempo bom, quer trovoada,
Lá vou nesta vida malograda
Ao pão-nosso, que espero em cada dia!

De crianças me assalta uma algarvia,
E a velha a pespegar-me aparelhada
Contos da eterna sedução malvada
Da quadrilha de heróis que a perseguia!

O campo de Santa Ana atravessando,
– Meu Deus, isto é que é não ter miolo! –
Para ver os nenês que estão mamando!

Vê por fim se me dás, ou não do bôlo:
Se sim, nada direi; senão bradando
Jurarei terra e céus não ser mais tolo!

Gonçalves Dias.
Rio de janeiro – 1848.

domingo, 27 de setembro de 2009

A urânia.

À URÂNIA
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O mais ardente amor, o amor mais puro
Que o céu pode infundir num peito humano,
Abrasa o coração, que a ti votado
Seus íntimos suspiros te consagra.
Arroubado por ti, por teus encantos,
Que à beleza ideal me transportaram,
Só para ti cantei, como eu sentia,
Como amor me inspirou. Os louros cedo
Do amoroso cantar a quantos queiram
Na lira modular ternas blandícias,
Mas na fôrça do amor supero a todos.

Gonçalves de Magalhães.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Vozes no ar.

VOZES NO AR
http://www.palavradaterra.blogger.com.br/vozes.jpgAlinhar ao centro

Basta de luz! Senhor, basta de afagos!
Minhas retinas frágeis se cansam de esplendores!
E o fogo que me assopras sôbre as espáduas nuas
Desperta-me nas veias frenéticos ardores!

Ah! sou tão nova ainda que sinto-me exaltada
Das selvas verde-escuras ao caloroso eflúvio,
E busco envergonhada na solidão sem termos
Meu manto inda molhado das águas do dilúvio.

Tenho a vida no seio e a liberdade n’alma;
Aponta-me o caminho por onde devo andar;
Irei onde os condores seus ninhos penduram?
Ou onde desdobra seus vergalhões o mar?

Nas águas do Amazonas mirei meu rosto altivo,
No Prata transparente banhei meus lindos pés:
Ungi os meus cabelos do aroma da baunilha,
Das palmas do coqueiro cobri minha nudez.

Tenho cascatas de ouro, abismos de diamantes,
Riquezas para um mundo se me aprouver comprar,
Mas sinto-me indecisa, quero avançar, vacilo,
Oh! mostra-me o caminho por onde devo andar!

Fagundes Varela.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Velhice.

VELHICE
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Vi passarem sessenta e sete anos,
Por mim de vida em loucas correrias.
Deixando atrás a poeira dos enganos,
E as fundas marcas dos acerbos dias.

Tardes sem sol, manhãs sem alegrias,
Alentaram os meus setentas planos:
– Ilusões e esperanças fugidas,
Que cedo se tornaram desenganos.

Ao relembrar a intensa e ingrata lida,
Julgo que seja então felicidade.
Esta minha já longa e vida,

Do coração se ainda sinto arrancos,
Acaricio a pálida saudade,
Que se retrata em meus cabelos brancos.

Natal, 23 de setembro de 2009.

R.S. Furtado.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Alencar.

ALENCAR
http://thesatisfashion.files.wordpress.com/2008/05/jose-de-alencar.jpg

Hão de os anos volver, – não como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as flores,
Sôbre o teu nome, vívidos e leves...

Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves,
Da indiana escreveste, – ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.

E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.

Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto...

Machado de Assis.

Do livro “Ocidentais”.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Deixe a vida fluir...

Deixe a vida fluir...
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Para o complexo e inusitado comportamento humano, não há modelo perfeito de orientação. Nem uma simples e confiável norma. E, se houvesse – não poderia ser duradoura, irremovível. A vivência da nossa espécie, por dinâmica está sempre sujeita a mudanças. A razão disso é, também, porque vivemos uma época em que os fatores essenciais que criam o nosso progresso, nos levam a espantosas transformações – com muita rapidez.

No que concerne aos fatores de comportamento, há ainda umas poucas regrinhas, antigas, positivas e, felizmente, confiáveis. Vejamos. Respeitar e, pelo bom procedimento, logicamente, ser respeitado. Praticar atos sempre caracterizados com os mais elevados sentimentos. Com bom senso, agir procurando não prejudicar a ninguém. Ser leal, sempre. Não mentir. Comportar-se continuamente, com absoluta dignidade. Aprender a perdoar aqueles que, irracionalmente, ao procurarem tirar vantagens materiais, tentam nos prejudicar. Não se deixar envolver com nenhum sentimento de mágoa. Entender que os puros sentimentos, de íntimo amor aos nossos semelhantes, pré-existem no âmago de todo ser humano. Apenas, alguns não os adotam, e, em razão disso, são seriamente advertidos pela sublime manifestação de sua nobre consciência interior.

Viver é se deixar enlaçar com os momentos que surgem nos meandros do espaço-tempo. É também, deixar a vida fluir, qual fosse a correnteza de um imenso rio de águas mansas e cristalinas. Viver é, pois, sermos prazerosamente enleados com todos os momentos que a nossa existência possa nos oferecer. Mesmo aquelas desagradáveis situações, tristes partes da nossa realidade existencial, devem ser lembradas, pois, nos deixaram valiosas lições de vivências. E, que mostram a covardia e a total falta de caráter dos nossos algozes... Mas... Viver é nos soltarmos em devaneios ou a profundas reflexões. E, nos auto-alentarmos com maravilhosos sentimentos, induzindo-se a alentadoras esperanças... E, o que fazer, quando os piores momentos chegam rugindo ameaçadoramente dentro de nós? – Só há um caminho: enfrentá-los com absoluta coragem e firme dignidade.

Viver é compartilhar, pois, além de saudável, é profundamente essencial a nossa formação ético-social. Na vida são necessários os entrelaçamentos, especialmente aqueles que aprofundam e harmonizam as nossas mais legítimas emoções. O nosso ego sozinho não pode se afirmar. O eu, sozinho, é apenas uma ilha, sem nenhuma expressão associativa. O inter-relacionamento humano é fundamental, pois, quando não ocorre, o ego tende a perder ou diminuir o seu valor basilar.

Nós como seres pensantes, introspectivamente posicionados, existimos isoladamente no centro de nós mesmos. Somos, verdadeiramente, a singular síntese de o nosso próprio ser. E, por ilação espiritual, o próprio mundo em que vivemos. De acordo com a nossa já apurada sensibilidade, alguns fatos em expressivas apreensões psíquicas, de profundo impacto emocional, acontecem só individualmente. Nesses momentos, quando o indivíduo entra em projeção psíquica, o mundo não tem a sua costumeira aparência, pois, se posiciona maravilhosamente belo e com características dimensionais e possibilidades que ainda desconhecíamos. E, nessas raras ocasiões, desaparecem totalmente os nossos atrozes sofrimentos – os quais vinham ocupando todos os escaninhos da nossa mente.
Viver, considerando-se todo o quadro da nossa evolução biogenética, é participar alegremente do glorioso processo existencial. Entendemos que na textura social da humanidade, nada acontece isoladamente. Qualquer coisa que façamos, ou nos ocorra, tem direta relação com todos.

De melhor, na vida colhemos os inesquecíveis frutos das boas vivências... Deixemos a vida fluir para que possamos fazer ótimas e gostosas colheitas.


Otacílio Negreiros Pimenta
In Memorian

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Julgando ser.

JULGANDO SER
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Julgo-me às vezes poeta, e com vaidade,
Como agora ao papel eis que me atiro.
Nunca arranjo que sirva esta verdade,
Leitor, dizer-te logo aqui prefiro.

A caixa do pensar, viro e reviro,
Mexo, remexo e, com dificuldade.
Martelando eu, é que às vezes dela tiro,
Alguns versos de baixa qualidade.

Quando além de um, consigo outro quarteto,
É já descontrolado, o miolo tonto.
E, outra estrofe não passa de terceto.

E, certo de que um poema, não dou pronto,
Pra sair da enrascada que me meto,
Deixo em paz a cachola, faço ponto.

R.S. Furtado.

sábado, 12 de setembro de 2009

A mesma senhora.

A MESMA SENHORA
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Tão doce como o som da doce avena
Modulada na clave da saudade;
Como a brisa a voar na soledade,
Branca, singela, límpida e serena;

Ora em notas de gôzo, ora de pena
Já cheia de solene majestade,
Já lânguida exprimindo piedade,
Sempre essa voz é bela, sempre amena.

Mulher, do canto teu no dom supremo
A dádiva descubro mais subida
Que de um Deus pode dar o amor paterno.

E minh’alma, num êxtase embebida,
Aos teus lábios deseja um canto eterno,
E, só para gozá-lo, eterna vida.

Laurindo Rabelo

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Lágrimas de cera.

LÁGRIMAS DE CERA
http://benildemoreira.files.wordpress.com/2007/12/vela.gif

Passou; viu a porta aberta.
Entrou; queria rezar.
A vela ardia no altar.
A igreja estava deserta.

Ajoelhou-se defronte
Para fazer a oração,
Curvou a pálida fronte
E pôs os olhos no chão.

Vinha trêmula e sentida.
Cometera um erro. A cruz
É a âncora da vida,
A esperança, a força, a luz.

Que rezou? Não sei. Benzeu-se
Rapidamente. Ajustou
O véu de rendas. Ergueu-se
E à pia se encaminhou.

Da vela benta que ardera,
Como tranqüilo fanal,
Umas lágrimas de cera
Caíam do castiçal.

Ela porém não vertia
Uma lágrima sequer.
Tinha a fé, – a chama a arder, –
Chorar é que não podia.

Machado de Assis.
Do livro Falenas – (1870).

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Rosenildo.

ROSENILDO
http://daerty.files.wordpress.com/2009/03/falsidade.jpg

Filho, nem sempre desta humanidade,
Em qualquer exemplar tu te confies.
Jamais ver-se da torpe a falsidade,
O mais leve sinal ou cicatriz.

O que me foi possível, tudo fiz,
Para o mal pagar sempre com bondade.
Compreendido não fui porque não quis,
Afastar-me um instante da lealdade.

Esse que vem a ti, de riso aberto,
E gestos largos, logo que te avista.
Cuidado, não te iludas que por certo,

Ele quer envolver-te em sua malha,
A procura ele está de quem o assista,
Não lhe apertes a mão, pois é um canalha.

R.S. Furtado.

Nota: Fiz este poema para o meu filho Rosenildo quando ele estava com dez anos de idade.

domingo, 6 de setembro de 2009

Oração à bandeira/História pátria.

ORAÇÃO À BANDEIRA
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Bendita sejas Bandeira do Brasil! Bendita sejas pela tua beleza! És alegre e triunfal.

Quando te estendes e estalas a viração, espalhas sobre nós um canto e um perfume, porque a viração que te agita passou pelas nossas florestas, roçou as toalhas das nossas cataratas, rolou no fundo dos nossos grotões agrestes, beijou os píncaros da nossa montanha, e de lá trouxe o bulício e a frescura que entrega ao teu seio carinhoso. És formosa e clara, graciosa e sugestiva. O teu verde da cor da esperança é a perpétua mocidade da nossa terra e a perpétua meiguice das ondas mansas que se espreguiçam sobre as nossas praias. O teu ouro é o sol que nos alimenta e excita, pai das nossas searas e dos nossos sonhos, nume de fartura e de amor, fonte inesgotável de alento e de beleza.

O teu azul é o céu que nos abençoa, inundando de soalheiras ofuscantes, de luares mágicos e de enxames de estrelas.

E o teu Cruzeiro do Sul é a nossa história: as nossas tradições e a nossa confiança, as nossas saudades e as nossas ambições. Viu a terra desconhecida e a terra descoberta, o nascer do povo indeciso, a inquieta alvorada da Pátria, o sentimento das horas difíceis e o delírio dos dias de vitória. Para ele, para o seu fulgor divino ascenderam, numa escalada ansiosa, quatro séculos de beijos e de preces, e pelos séculos em fora irão para ele a veneração comovida e o culto feiticista das multidões de brasileiros que hão de viver e de lutar!

Olavo Bilac.

HISTÓRIA PÁTRIA
http://pautaslivres.files.wordpress.com/2008/02/descobrimento_do_brasil_001.jpg


Lá vai uma barquinha carregada de
Aventureiros.
Lá vai uma barquinha carregada de
Bacharéis.
Lá vai uma barquinha carregada de
Cruzes de Cristo.
Lá vai uma barquinha carregada de
Donatários.
Lá vai uma barquinha carregada de
Espanhóis
Paga prenda.
Prenda os espanhóis!
Lá vai uma barquinha carregada de
Flibusteiros.
Lá vai uma barquinha carregada de
Governadores.
Lá vai uma barquinha carregada de
Holandeses.
Lá vem uma barquinha cheiinha de índios
Outra de degredados
Outra de pau de tinta
Até que o mar inteiro
Se coalhou de transatlânticos
E as barquinhas ficaram
Jogando prenda com a raça misturada
No litoral azul de meu Brasil.

Oswald de Andrade.

sábado, 5 de setembro de 2009

O corneteiro de Copacabana.

O CORNETEIRO DE COPACABANA
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De repente, a pequena distância, rompe a treva um gemido suave e dolorido.
Uma pausa ligeira, e outro gemido mais alto rasga o peito da noite, espalhando-se pela terra e pelo mar. É a corneta do forte que dá o seu último toque do dia. É o clarim militar, que, na boca de um soldado, manda aos soldados da fortaleza a última ordem sonora: a ordem de – silêncio!
E como é comovente, magoado e cortante, aquele apelo metálico, vibrado na sombra de uma praça de guerra, diante do oceano, que chora, e da cidade, que esplende! Quanta alma, quanta saudade põe aquele soldado no grito estridente ou na surdina melancólica daquele instrumento singelo e vazio...
A lembrança de sua casa, talvez. Talvez a lembrança de sua terra, que lá ficou no Sul, onde as coxilhas se estendem como as ondas do mar, ou do Norte, onde a cabana é um ninho a beira d’agua, sob a proteção farfalhante dos coqueirais...

Humberto de Campos.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

À Carolina.

À CAROLINA
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/foto/0,,15580560,00.jpg

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descanças dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos mal feridos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Machado de Assis.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Sonho lindo.

SONHO LINDO
http://www.overmundo.com.br/_banco/multiplas/1213380492_a_miragem5.jpg

Foi tão grande a ventura que eu obtive,
Naquele sonho que durou tão pouco.
Por Deus te peço não me julgues louco,
Pois bem não sei, se é que sonhando estive.

A forte angustia que em meu peito vive,
Vi transformar-se em devaneio vago,
No doce enlevo que recordo e afago,
Do sonho lindo que contigo tive.

Não procuro ilusão que lenitiva,
Meu sofrer ou esperança que me embala.
Pois nada existe que se iguala,
Ao sonho lindo que contigo tive.

Não procuro emoção que te cative,
Estejas tu de mim perto ou distante.
Quero apenas lembrar por um instante,
Do sonho lindo que contigo tive.

Já da vida eu estando no declive,
Meu coração, inativo descansa.
Nem beijos nem paixão, grata lembrança,
Daquele sonho que contigo tive.

R.S. Furtado.