A PRIMEIRA PRECE
O menino olhou firmemente, deixando transparecer nesse gesto o mais puro sentimento de amor. Ali, à sua frente, encontrava-se posicionado o carneirinho, como se estivesse dormindo. O garoto aproximou-se mais do carneirinho. De perto, dava para ver melhor a cor marrom-claro aveludada e brilhosa, que cobria todo o corpo do belíssimo animalzinho. Suspirou, antes de admirar àquela listra branca, bem delineada, dividindo ao meio a cabeça infantil ovino. Um traço branco passava pelo meio do pescoço e da cabeça, seguindo pela testa até a ponta do nariz. Como o carneirinho parecia dormir profundamente, o menino com a ponta do pé, descalço, o cutucou de leve. Nenhuma reação ocorreu. Para a criança agora, necessário seria um alerta com o uso de suas palavras e, novamente, o movimento com o pé, atingindo-o na cabeça:
– “Val... Valentão... Preguiçoso, acorde!... Não é hora de dormir Val!...”
O carneirinho nem se mexeu, continuou inerte no cantinho da parede. Ali perto, a mesa de refeição, bem próxima ao seu cantinho preferido.
Nesse instante um trabalhador da fazenda, assustado, entrou na casa e, nervoso, com ar de espanto falou:
– “Acabei de matar uma cobra, saindo daqui. Uma cascavel... Grande!”
Isso despertou a imediata atenção do menino. Incontinente, com o coração batendo mais acelerado, olhou para o carneirinho. Aproximou-se e com ligeireza se abaixou para pega-lo. Colocou-o nos braços e sentiu o seu corpinho ainda quente. A cabeça, porém, de forma involuntária e inexpressiva, pendia para um dos lados. O seu corpo ainda estava um pouquinho quente. Mas, já havia desaparecido todo o fremir que há nos corpos ainda com vida. Do nariz e da boca, lentamente escorriam dois filetes de sangue... Seus últimos sinais de vida.
A criança recebeu um violento choque de nítidas e profundas emoções. As lágrimas soltaram-se com todo impulso da dor, querendo arrebentar os laços do verdadeiro apego. Permanecia com o carneirinho nos braços. Inerte figura de uma vida, antes alegre, brincalhona, que, inesperadamente terminou. Não olhou para aonde ia. Caminhou sem destino, carregando todo o seu sofrimento. Debaixo de uma grande árvore, de muita sombra, sentou-se. Com os olhos embaçados de lagrimas, novamente olhou para o carneirinho. Entendeu que terminara uma de suas brincadeiras prediletas. Caminhar pelo campo com o carneirinho, alegremente saltitando ao seu redor.
A água do açude, à sua frente, emitindo vibrações luminosas, com fulgor espelhava a luz do sol. Ao derredor, com vigor os pássaros soltavam as suas encantadoras vozes.
O sol já se aproximava do poente, deixando as pedras e os montes formarem as suas sombras. Escuros desenhos: simétricos, assimétricos, até surrealistas. Enquanto o tempo prosseguia inexorável, o menino segurava o carneirinho. Resolveu levantar-se e caminhar um pouco.
Quase ao por do sol, o menino cuidadosamente colocou aquele corpo inerte ao lado de um pequeno córrego seco. Com um pedaço de pau preparou uma cova e, ali, lentamente depositou o corpo do carneirinho. Carinhosamente cobriu com terra ainda quente. Com as mãos preparou uma cruz, feita de galhos secos.
De mãos postas, ajoelhou-se diante dos restos de sol poente e balbuciou algumas palavras em tom emotivamente forte. Nessa noite choveu. Quando, no dia seguinte foi lá – nada mais encontrou. A enxurrada levou tudo, carregando, também uma parte de si mesmo.
Otacílio Negreiros Pimenta.
In Memorian
8 comentários:
Nossa, que triste.
Lembrei-me de uma cena da minha infância.
Um conto realmente triste, me fez lembrar uma perda de um cachorrinho que eu tive...BeijooO
Extremamente profundo.
Um texto muito comovente, mas no fundo com uma mensagem de que todos um dia partiremos, a única coisa de que sabemos é que nascemos, vivemos e um dia morreremos e deixaremos com certeza pelo menos um amigo triste.
Belo texto meu amigo!!!
Beijos,
Triste e emocionante, bem profundo,mas lindo1abração,chica
Olá Rosemildo
Realmente muito triste porém nem por isso menos belo.
Forte abraço
Ai que me deu dó dessa criança. Lembrei-me do dia em que pensei que minha cadela Mell, havia sido envenenada por um sapo...chorei tanto...sorte que até hj ela me traz enormes alegrias.Incrível como nos apegamos nos animais.
Um beijo amigo Furtado!
Furtado,
Quem é esta Fé que a tudo
transforma, retira montanhas,
aos fraco encoraja,
dar a vida toda a lida, dar aos
homens o poder de acreditar...
Lindo texto, me emocionei, quando três poodles tenho no meu quintal, bichinhos tão sensíveis, tão amigos, não nos fazem, nenhum mal parece três carneirinhos que a gente não consegue se desapegar... São Francisco cuida né mesmo?
Pronto elevador não pego mais,
vou de escada, pra que ele não me leve para o de cima outra vez...
Bjss meus
Livinha
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