COMO UM CÃO
Como um cão curvo-me
e procuro ler nas marcas
que a noite não pôde
recolher o tempo.
Anima-me a superfície fabulária
onde o olhar do dia revolve
o que foi alvoroço vida
ou sinal tênue.
Detenho-me na pegada junto à cama
e a mão precavida incha a memoria
nenhuma sensação acende
o que já está perdido.
(Perdidos os meus passos? A minha voz?
é assim tão terrível o amor ao homem?
a justiça foi calcinada em que ritual?)
Pouso então devagarinho
o ouvido na parede úmida
e eis que uma sombra volta-se
num largo aceno de simpatia.
Na paz indizível sopra
a fina aragem desanoitecida
a leve impressão
de um cochichar
uma porta entreaberta
onde pulsa uma esperança
Heliodoro Baptista
Heliodoro Baptista nasceu em Gonhame, cidade de Quelimane, capital da província da Zambézia, a 19 de Maio de 1944. Jornalista, escritor e poeta, era casado com a jornalista Celeste Mac-Artur, editora fotográfica do Diário de Moçambique, diário que se publica na Beira. Deixa viúva e quatro filhos.
Deixou escritas várias obras não publicadas e publicou «Por cima de toda a folha», «Nos joelhos do silêncio», «A filha de Tandy», entre outras peças dispersas.
Foi jornalista do «Notícias da Beira» onde chegou a ser chefe da redacção. Deixou de exercer a profissão de jornalista quando se incompatibilizou com a direcção do "Notícias” que se publica em Maputo, jornal de que na altura era o delegado na Beira. Trabalhou ainda no «Diário de Moçambique». Tinha uma relação de total incompatibilidade com o regime que vigorava em Moçambique e era um fervoroso apoiante do MDM e de Daviz Simango.
Heliodoro Baptista morreu, dia 1 de Maio de 2009, na sua residência na Beira.
Fonte: (Fernando Veloso) - CANAL DE MOÇAMBIQUE - 04.05.2009
7 comentários:
Bom domingo Rosemildo!!
Belo e simpático poema!
Beijos,
Carla
Belo poema amigo,,,abraços de boa semana pra ti.
un texto muy disiente.
un abrazo
Lindo poema!!!
Beijo de domingo, querido!!!
Lindo, profundo, e tocante poema!
Parabéns meu amigo, por tão belo post!!!
Carinhos meus pra ti...
Beijos
Vida de cão?
A esta altura segue quando já se sente a esperança esmorecida, como alguém deitado ao chão solícito de afagos e tão alí por vezes esquecido, largado...
Será que bem compreendi o poema do autor, tão implícito e ao mesmo tempo radical nas suas colocações?
Bom, não sei. Está aí meu parecer sentido...
Furtado meu amigo, tenha uma brilhante semana, mas cá entre nós, jamais se sinta como o autor, um cão, o cão não merece, coitado tão amigo, sem cobranças.... rsrs
Livinha
este post impressionou-me francamente!
eu já tinha visto esse olhar nos meus resumos e hoje vim aqui porque te encontrei silencioso pelos meus cantos, e esse olhar, olhos nos olhos, como um que eu perdi, faz tempo, exactamente assim, o mesmo olhar, o mesmo focinho comprido e negro, o mesmo tom de "pele", triste assim, à espera do segundo em que o coração ia deixar de bater..., olhos nos olhos, assim triste, deitada de lado... e como quem pergunta, porquê?!....
foi uma das minhas maiores perdas!
abraço, Furtado!
Postar um comentário