CORTINA ENTREABERTA
Otávio, adulto, vida muito agitada e sofrida. Altos e baixos, consequências básicas do realmente existir. Para transpor os seus obstáculos, a luta é conflitante e árdua. O ideal é vencer, atingir os seus objetivos... Às vezes, surge uma fortíssima impressão que a caminhada existencial se encontra num verdadeiro beco sem saída. Diante disso, é como – em si – o desespero fazer permanente morada. Firmemente ocupando espaços, penetrando em todo o seu ser. É a angústia chegando, para sempre desejando se estabelecer. Nesses instantes, a mente, procurando se compensar, usa as lembranças e se faz resvalar ao passado distante, tornando-o perfeitamente vivo em sua inesquecível memória. São acontecimentos muito distantes, escondidos nos meandros do tempo. Uns agradáveis, outros assustadores. Mas, do passado o que quer é selecionar, um a um, os seus melhores acontecimentos. Os seus casos, um de cada vez, vão surgindo como grãos de areia trazidos pelos ventos, e, formando temporariamente um só morro de recordações. É a formação dos pensamentos, consubstanciados na união das lembranças, com a sensação ali presente – de uma só realidade. É o passado em sentimentos, tornando-se o quase palpável presente, fazendo-se momentaneamente firme e quase inabalável.
A aula, para crianças em início de alfabetização, ia começar. Os alunos soltam-se em suas manifestações infantis. A alegria contagiante, como se fosse um pleno abrir de rosas diante do sol, estampa-se em suas faces. A algazarra é geral, mas, de repente, todas as vozes desaparecem. Os sons, repentinamente, emudeceram, deixando-se ouvir até o bater cadenciado das asas das moscas. Em alguns instantes, o silêncio é total, como o permanecer de coisas inanimadas. Silenciosamente, a professora, D. Laélia, entra na sala de aula. Moça, virgem, que já passara dos trinta anos. Quantos anos, exatos, ninguém sabia. Talvez, fosse um estratégico segredo para possibilitar a realização do seu maior sonho: o casamento. Ela, graciosamente, subiu ao estrado, puxou a cadeira e sentou-se diante da mesinha a sua frente. Após fazer uma rápida verificação do que havia sobre a mesa, estendeu o seu ríspido olhar sobre a classe, de uma só vez, abrangendo todos os alunos. Novamente olha para aquele livro de capa preta, autoritariamente inicia a chamada dos alunos. Vez por outra, levanta a cabeça, arregala os seus olhos castanhos e enruga a testa, talvez, para melhor impor a sua autoridade. Só com esses gestos, o silêncio se faz como uma grande pedra presa ao chão. Uma das vezes, lá pelo meio da aula, usa um tom estridente, aborrecido. Falando, surpreendendo, ela diz: “- O que é isso Otávio?... Todos os dias, você fica nessa posição, sem prestar a necessária atenção à aula - ...professora, o vento derrubou o lápis, a borracha e o meu caderna... “- Que história é essa menino? Agora, não há nenhum vento forte. Nesta manhã, nem as folhas das árvores se mexem. Não suporto mais esse seu astucioso procedimento. Hoje mesmo, o seu pai vai saber”.
O material escolar de Otávio, por ele mesmo, ia sendo cuidadosamente empurrado para o chão. Otávio, sentado ao lado do corredor central de cadeiras, ao abaixar a cabeça para apanhar o seu material propositadamente derrubado, tem uma estratégica visão da parte inferior do corpo da professora... Aquelas pernas femininas, abertas, mostrando duas róseas e roliças coxas, são a permanente e profunda sensação de curiosidade do Otávio... Lá, bem afastado dos joelhos, no começo das coxas, um triangular pano alvo, sempre fechando aquela parte. Aumentando o mistério.
À tarde, o seu pai, Nicomedes, ou Nico para os íntimos, aplicou-lhe uma inesquecível surra. A partir daí, firme em suas lembranças, ficou aquele mistério, cada vez mais escondido pelas mulheres de todas as idades... Duas pernas femininas, afastadas, paralelas, posicionadas em seu começo, estreitam-se, parecendo uma cortina entreaberta, escondendo algo misterioso à vista e ao pleno despertar dos sentidos.
Otacílio Negreiros Pimenta
In Memorian
Otávio, adulto, vida muito agitada e sofrida. Altos e baixos, consequências básicas do realmente existir. Para transpor os seus obstáculos, a luta é conflitante e árdua. O ideal é vencer, atingir os seus objetivos... Às vezes, surge uma fortíssima impressão que a caminhada existencial se encontra num verdadeiro beco sem saída. Diante disso, é como – em si – o desespero fazer permanente morada. Firmemente ocupando espaços, penetrando em todo o seu ser. É a angústia chegando, para sempre desejando se estabelecer. Nesses instantes, a mente, procurando se compensar, usa as lembranças e se faz resvalar ao passado distante, tornando-o perfeitamente vivo em sua inesquecível memória. São acontecimentos muito distantes, escondidos nos meandros do tempo. Uns agradáveis, outros assustadores. Mas, do passado o que quer é selecionar, um a um, os seus melhores acontecimentos. Os seus casos, um de cada vez, vão surgindo como grãos de areia trazidos pelos ventos, e, formando temporariamente um só morro de recordações. É a formação dos pensamentos, consubstanciados na união das lembranças, com a sensação ali presente – de uma só realidade. É o passado em sentimentos, tornando-se o quase palpável presente, fazendo-se momentaneamente firme e quase inabalável.
A aula, para crianças em início de alfabetização, ia começar. Os alunos soltam-se em suas manifestações infantis. A alegria contagiante, como se fosse um pleno abrir de rosas diante do sol, estampa-se em suas faces. A algazarra é geral, mas, de repente, todas as vozes desaparecem. Os sons, repentinamente, emudeceram, deixando-se ouvir até o bater cadenciado das asas das moscas. Em alguns instantes, o silêncio é total, como o permanecer de coisas inanimadas. Silenciosamente, a professora, D. Laélia, entra na sala de aula. Moça, virgem, que já passara dos trinta anos. Quantos anos, exatos, ninguém sabia. Talvez, fosse um estratégico segredo para possibilitar a realização do seu maior sonho: o casamento. Ela, graciosamente, subiu ao estrado, puxou a cadeira e sentou-se diante da mesinha a sua frente. Após fazer uma rápida verificação do que havia sobre a mesa, estendeu o seu ríspido olhar sobre a classe, de uma só vez, abrangendo todos os alunos. Novamente olha para aquele livro de capa preta, autoritariamente inicia a chamada dos alunos. Vez por outra, levanta a cabeça, arregala os seus olhos castanhos e enruga a testa, talvez, para melhor impor a sua autoridade. Só com esses gestos, o silêncio se faz como uma grande pedra presa ao chão. Uma das vezes, lá pelo meio da aula, usa um tom estridente, aborrecido. Falando, surpreendendo, ela diz: “- O que é isso Otávio?... Todos os dias, você fica nessa posição, sem prestar a necessária atenção à aula - ...professora, o vento derrubou o lápis, a borracha e o meu caderna... “- Que história é essa menino? Agora, não há nenhum vento forte. Nesta manhã, nem as folhas das árvores se mexem. Não suporto mais esse seu astucioso procedimento. Hoje mesmo, o seu pai vai saber”.
O material escolar de Otávio, por ele mesmo, ia sendo cuidadosamente empurrado para o chão. Otávio, sentado ao lado do corredor central de cadeiras, ao abaixar a cabeça para apanhar o seu material propositadamente derrubado, tem uma estratégica visão da parte inferior do corpo da professora... Aquelas pernas femininas, abertas, mostrando duas róseas e roliças coxas, são a permanente e profunda sensação de curiosidade do Otávio... Lá, bem afastado dos joelhos, no começo das coxas, um triangular pano alvo, sempre fechando aquela parte. Aumentando o mistério.
À tarde, o seu pai, Nicomedes, ou Nico para os íntimos, aplicou-lhe uma inesquecível surra. A partir daí, firme em suas lembranças, ficou aquele mistério, cada vez mais escondido pelas mulheres de todas as idades... Duas pernas femininas, afastadas, paralelas, posicionadas em seu começo, estreitam-se, parecendo uma cortina entreaberta, escondendo algo misterioso à vista e ao pleno despertar dos sentidos.
Otacílio Negreiros Pimenta
In Memorian