ALEGORIA
DA TARDE
Recolhe
o dia aos campos e à cidade,
A
Tarde... E num crepúsculo de beijos,
— Que
o sol lança a boca aos meus desejos,
As
horas vão morrendo com saudade.
E
o9 dia lembra — que é chegado ao fim,
Ao
Pintor de Penumbras a que venha...
E
como deixa nos altos da montanha
O
Sol, a Tarde, afasta-se de mim.
Vai
longe a aça de oiro e pedrarias
Das
voluptuosas, bêbadas manhãs,
Do
grande Sol heróico dos bons-dias!
E
ao recair das horas, pelo Outono,
As
coisas choram lágrimas cristãs
Sob
as cinzas da tarde, ao abandono.
Afonso
Duarte
Afonso Duarte foi um poeta português (Ereira, Montemor-o-Velho, 1.1.1884 – Coimbra, 5.3.1958). Formou-se, em Coimbra, em Ciências Físico-Naturais (1913). Foi, ali, professor da Escola Normal e dedicou-se em especial à pedagogia do desenho; interessou-se por temas de etnografia e arte popular portuguesa. Manteve, ao longo da sua vida, intenso e caloroso convívio literário com sucessivas escolas e grupos, de que são testemunhos a colaboração na Águia e na «Renascença Portuguesa», as relações com os «Esotéricos», a passagem pela Presença e pela Seara Nova, e com os poetas do «Novo Cancioneiro».
A
sua obra poética acusa esse permanente esforço de renovação,
mantendo-se, todavia, fiel à inspiração entranhadamente portuguesa
e tradicional, aos motivos da terra, da vida animal, do povo e da
lide agrária, das crenças e mitos seculares, sempre rica de poder
metafórico e alusivo, evoluiu, no entanto, progressivamente, para
uma forma mais despojada e epigramática, e o ímpeto genesíaco,
velado por uma religiosidade difusa e melancólica, que transborda
nas primeiras obras, contém-se e interioriza-se, o tom torna-se mais
cerebral e moralístico, até dar numa sabedoria desenganada e algo
sarcástica ou num denso e sentencioso comentário profético do
mundo contemporâneo.
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