O CAMARIM
A luz do sol afaga docemente
As bordadas cortinas de escumilha;
Penetrantes aromas de baunilha
Ondulam pelo tépido ambiente.
Sobre a estante do piano reluzente
Repousa a Norma, e ao lado uma quadrilha;
E do leito francês nas colchas brilha
De um cão de raça o olhar inteligente.
Ao pé das longas vestes, descuidadas
Dormem nos arabescos do tapete
Duas leves botinas delicadas.
Sobre a mesa emurchece um ramalhete,
E entre um leque e umas luvas perfumadas
Cintila um caprichoso bracelete.
Gonçalves Crespo.
Antonio Candido
Gonçalves Crespo nasceu em 11 de março de 1846 nas cercanias do Rio
de Janeiro, mas aos 14 anos, por motivo de saúde, foi enviado para
Portugal. Lá esteve no Porto e em Braga, e formou-se pela
Universidade de Coimbra. Casando-se, fez carreira no jornalismo e na
política: elegeu-se deputado por Goa, e reelegeu-se para 1882-1884.
Sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa, faleceu em 11 de
junho de 1883.
No próprio
frontispício de seu livro de estréia, Miniaturas, impresso em
Coimbra, Gonçalves Crespo acentuava sua condição brasiliense, ao
colocar debaixo do seu nome a indicação: “natural do Rio de
Janeiro”. Isso e mais as reminiscências locais que lhe colorem a
poesia, de modo intenso e real, permitem situá-lo como poeta
brasileiro: “talentoso patrício nosso” chamava-o Machado de
Assis. Como, apesar disso, ele se radicou em Portugal, onde se casou
com a escritora D. Maria Amália Vaz de Carvalho e onde fez carreira
política, figura também na literatura portuguesa, em curioso caso
de dupla nacionalidade literária.
Fonte: “Poesia
Parnasiana” Antologia – Edições Melhoramentos – 1967.
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