sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Contraste.

 

CONTRASTE

Toda em amor desperta apaixonada,
Nos meus braços caía languemente.
De passos em desmaios, abrasadas,
Pela caricia do meu beijo ardente.

Coração, alma, vida, me entregava,
E, nas juras de amor que eu lhe fazia.
Ela tão meigamente acreditava,
No entanto eu lhe fingia...
Pela mulher que assim me idolatrava,
Dentro em meu peito, amor não existia...

Depois ela por certo compreendendo,
Do meu afeto o simples fingimento.
Seu louco amor por mim fenecendo,
E nascendo de então o meu tormento.

Minhas juras de amor não acatavam,
Nos seus em flor já não queria,
O meu beijo que tanto lhe abrasara.
No entanto eu não fingia.
Pela mulher que assim me precisava,
Dentro em meu peito, amor muito existia.

R.S. Furtado

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Escritório irritante.

 
ESCRITÓRIO IRRITANTE

Não acho nada, nem o que não
procuro, nenhum livro se abre
e os que se abrem, raivosos
não prestam para o momento.

Se apertam nas estantes, se
embaralham, fora de ordem
se precipitam, suicidas
mortos, amarrotados, muitos

Não os lerei mais, morri
com eles, minhas marcas
no pó das passadas páginas

se desbotam, os personagens
idem, a flor no papel de poema
se fecha, furada por traças.

Armando Freitas Filho 



Armando Freitas Filho (Armando Martins de Freitas Filho), nasceu no Rio, em 1940. Foi pesquisador na Fundação Casa de Rui Barbosa, secretário da Câmara de Artes no Conselho federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro, pesquisador da Fundação Biblioteca Nacional, assessor no gabinete da presidência da Funarte, onde se aposentou. Sua obra literária tem merecido a atenção da crítica especializada destacando-se entre outros, os artigos, resenhas e prefácios de: José Guilherme Merquior, Heloísa Buarque de Hollanda, Luís Costa Lima, Silviano Santiago, Ana Cristina César... Leia mais aqui:


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Emparedado.

EMPAREDADO

Por planícies e aspérrimas montanhas
Andei errando como um beduíno,
E contei ao luar o meu destino,
Velado por dragões de outras entranhas.

E a ti, ó sol, que de purezas banhas
Os campos verdes, num clarão divino,
Contei, também, chorando, o desatino
Das minhas ânsias trágicas, estranhas.

Mas não contei ao mar as minhas ânsias,
Ao largo mar perdido nas distâncias,
Para não vê-lo, dessa vez, cavado.

Pois esse mar é um coração doente,
Igual ao meu, e vive eternamente,
Eternamente triste e emparedado.

Araújo Figueiredo 



Juvêncio Araújo Figueiredo nasceu em 27 de setembro de 1864, na esquina das antigas ruas dos Artigos Bíblicos e Tranqueira, hoje Victor Meireles e General Bittencourt. Com 6 anos de idade encontra-se pela primeira vez com Cruz e Sousa na casa da professora Camila, na rua dos Ilhéus. Aos 9 anos, estuda em escola pública provisória em companhia de seu irmão Luiz, regida pelo professor Lúcio Camargo, no Estreito. De saúde debilitada, nervoso ao extremo, seus pais deixaram-no livre para percorrer os verdes campos floridos dos bosques e as praias brandas, na persuasão de que os encantos desses lugares pudessem trazer ao seu corpo o rejuvenescimento das forças, da pujança de que necessitava. Com grande vocação... Leia mais aqui:


sábado, 25 de outubro de 2014

Rosas.


ROSAS

Rosas que já vos fostes, desfolhadas
Por mãos também que já se foram, rosas
Suaves e tristes! rosas que as amadas,
Mortas também, beijaram suspirosas...

Umas rubras e vãs, outras fanadas,
Mas cheias do calor das amorosas...
Sois aroma de alfombras silenciosas,
Onde dormiram tranças destrançadas.

Umas brancas, da cor das pobres freiras,
Outras cheias de viço e de frescura,
Rosas primeiras, rosas derradeiras!

Ai! quem melhor que vós, se a dor perdura,
Para coroar-me, rosas passageiras,
O sonho que se esvai na desventura?

Alphonsus de Guimaraens
 

Leia mais um belo poema e um resumo da biografia do autor aqui:


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Soneto.


SONETO
Oito anos apenas eu contava,
Quando à fúria do mar, abandonando
A vida, em frágil lenho e desmandando
Novo clima, da pátria me ausentava.

Desde então à tristeza começava
O tenro peito a ir acostumando;
E mais tirana sorte adivinhando
Em lágrimas o pai e a mãe deixava.

Entre ferros, pobreza, enfermidade,
Eu vejo, ó céus! que dor! que iníqua sorte!
O começo da mais risonha idade.

À velhice cruel (ó dura morte!)
Que faz temer tão triste mocidade,
Para poupar-me descarrega o corte.

Souza Caldas


Souza Caldas (Antônio Pereira de S. C.), sacerdote, poeta e orador sacro, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 24 de novembro de 1762, e faleceu na mesma cidade, em 2 de março de 1814. É o patrono da Cadeira nº 34, por escolha do fundador Pereira da Silva.


Era filho do comerciante Luís Pereira de Sousa e de Ana Maria de Sousa, portugueses, os quais, percebendo no filho a vocação para as letras, tudo fizeram para que florescesse. Aos oito anos de idade, e já evidenciando uma saúde frágil, foi mandado a Lisboa, aos cuidados de um tio. Foi matriculado no curso de Matemática (1778), de que se... Leia mais aqui:


 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Primavera.

PRIMAVERA

Derrama luz e sol, o céu parece,
Uma imensa turquesa incandescente.
E, o vento como fera que enfurece,
A folhagem açoita rudemente.

A terra estica exuberantemente,
O seio acolhedor e amplo oferece.
Em seu regaço, cada uma somente,
Que se abriga de gozo ela estremece.

Um sorriso vital demonstra tudo,
Provocante, sereníssimo, vagueia.
Um fecundo perfume pelo espaço.

Só eu – tristonho poeta – quedo e mudo,
Sinto apenas na vida que entoneia,
O túmulo a seguir-me passo a passo. 

R.S. Furtado 


sábado, 18 de outubro de 2014

Amorfadado.

     

AMORFADADO

Que futuro tem o amor que nos une
amarrados com fios de navalha
se o passado, presente, nos pune
o tempo todo, por antigas falhas?

Que amor é esse que nos cobra
perfeição, prazer, fidelidade
que de tão apertado nem sobra
espaço para amar de verdade?

Não quero esse amor escuro
que mata o passado, ata o presente
e data o futuro

Quero um amor luminoso
sem culpas, medos ou desculpas
esculpido no gozo.

Alessandro Uccello
 

“Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com a primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso... Leia mais aqui:

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Bandeiriana.


BANDEIRIANA

Se terminou tua aventura humana,
teu legado subsiste, onde aprendia
eu, aluno canhestro, a cotidiana,
e fraterna lição de poesia.

Teu verso brilha como a luz que emana
da grande fonte geratriz do dia,
e me vem, força amável, sobre-humana,
estrela de tua órbita vadia.

Estrela que brilhaste a vida inteira,
no ceu deixaste luminosa esteira;
meu verso, escuro beco em que definho.

Soletro em vão o teu abecedário.
De Pasárgada o longo itinerário
sigo aos tropeços sem achar caminho.

Antônio Geraldo 
  



A Academia Goiana de Letras, no dia 5 de janeiro do presente ano, perdeu uma das vozes poéticas mais respeitadas em Goiás e no Brasil. Antônio Geraldo Ramos Jubé, que em 11 de agosto de 2008, nas páginas desse Suplemento Literário, concedeu sua última entrevista ao acadêmico Coelho Vaz.

Nasceu na cidade de Goiás, no dia 29 de janeiro de 1927, filho de Antônio Benedito Ramos Jubé e de Maria Izabel da Veiga Jubé.

Fez o curso primário em sua terra natal e transferindo residência para Goiânia, concluiu o secundário no Liceu. Bacharelou-se em... Leia mais aqui:



terça-feira, 14 de outubro de 2014

Museon.




MUSEU

Helés, a formosíssima das gregas,
trecho soluço Roseo de entulho Marmor
dum panteão as divindades cegas
soterraram depois de tê-lo aos ombros.

Helés, um dia, sobre a praia chegas...
Inclinam-se extensíssimos os combros
e o vento alarga em frêmitos os assombros
da túnica do mar as verdes pregas.

Reinas E tu, tu Ie! Debalde, vagas
sobre outras vagas se atropelam, correm,
uma por uma, indiferente esmagas:

como as paixões na tua vida ocorrem,
uma e mais outra, nas desertas plagas
chegam e morrem, e chegam e morrem.

João Ribeiro 

 
Leia mais um belo soneto e um resumo da biografia do autor aqui:

domingo, 12 de outubro de 2014

Miriti.


Miriti

Beijei, na Ilha do Sol, a uma palmeira,
que, ainda mais que o jasmim e o vetiver,
e a malva-rosa de São Paulo, cheira,
cheira, em setembro, a carne de mulher!

Porém trescala o odor, de tal maneira,
que entontece e perturba a quem tiver
a volúpia, a ventura brasileira
de provar esse eflúvio rosicler.

Falei-lhe, à noite, apaixonadamente,
no harém do bosque, perfumado e quente,
ninho aromal, romântico aranhol...

Outros prazeres esqueci na vida,
mas não te esqueço, Miriti florida,
a quem beijei, ao luar, na Ilha do Sol.

Martins Fontes
 

Leia mais um belo soneto e um resumo da biografia do autor aqui:

FELIZ DIA DAS CRIANÇAS
 
Desejo a todos, crianças e adultos um lindo e feliz  

"Dia das Crianças"

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Tentação.

 

TENTAÇÃO

Trajando a cor do céu, entra na igreja,
Que está deserta. Ajoelha-se ante o altar.
A cruz na frente pura sinaliza,
Inclina a arca cabeça, e, põe-se a orar.

Deseja, é, desconhece o que deseja,
Sente sua alma cândida vibrar.
Por isso ela ante a imagem enfazeja,
Vai humilde e se angustiosa POSTAR.

Aflita pede a imagem com ansiedade,
Defesas para o virginal tesouro.
E resistência para a castidade.

No entanto, pela nave, encantador,
Revoando adeja-lhe as aladas de ouro,
O anjo - Tentação do céu do amor-.

R.S. Furtado. 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Talvez o vento saiba.

TALVEZ O VENTO SAIBA

Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.

As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.

Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam

sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

Ivan Junqueira

 

Sexto ocupante da Cadeira nº 37, eleito em 30 de março de 2000, na sucessão de João Cabral de Melo Neto e recebido em 7 de julho de 2000 pelo Acadêmico Ruardo Portella. Recebeu o Acadêmico Antonio Carlos Secchin. Faleceu no dia 3 de julho de 2014, no Rio de Janeiro, aos 79 anos.


Ivan Junqueira nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 3 de novembro de 1934. Aqui realizou seus primeiros estudos, ingressando em seguida nas faculdades de Medicina e de Filosofia da Universidade do Brasil, cujos... Leia mais aqui: